À Beira Mar
Na observação superficial da floresta de palavras dum matutino, deparo com um inquérito realizado a figuras do jet set lusitano no decurso do Verão. No quesito “O que nunca pode faltar na sua mala?”, a resposta alusiva ao telemóvel é trivial e preponderante aos inquiridos. Felizmente, não sou discípulo desse exemplo, recordando os anos em que a nova tecnologia fazia parte do imaginário da interpenetração das culturas evidenciadas nas séries de ficção científica… Nesse tempo, apenas com o aparelho fornecido pela companhia dos Telefones de Lisboa e Porto (T.L.P.), as pessoas estavam comunicáveis. Actualmente, a dependência da nova sociedade dos portáteis meios de comunicação, na sua falta, parece que perde as funções cognitivas que lhe permitia comunicar. Em antítese aos tempos modernos, dispenso o telemóvel quando vou à praia, repetindo o episódio ao deslocar-me com a família para convivência de amigos, evento religioso ou cultural e no fim-de-semana até ao final da tarde.
Numa ida à estância balnear de Água de Madeiros – praia seguinte à Praia da Pedra do Ouro, localizada na Costa de Prata, região de Leiria -, após o regresso da caminhada pelo areal atá à Paria de São Pedro de Moel, sentado, apreciando a beleza da personalidade do mar revolto, completamente distinto do mar no Algarve, costurando ondas audíveis no início da vila, acabo por desejar ouvir um disco de Skip James. Perguntará o leitor: “O que tem o disco de especial?” Nada! É apenas um álbum de blues de James, a sós com a sua guitarra afinada em Ré Menor (para garantir sentidas linhas de baixo na sua apurada técnica de dedilhar) ou com o piano em dois temas («All night long» e «How long», acompanhada no baixo por Russ Savakus), aquiesci.
Etiqueta: Vanguard Records
Referência: VSD-79219
Duração: 48:23
Nehemiah Curtis James, é filho de um ex-contrabandista de álcool, convertido ao cristianismo. Nasce em Bentona, no estado do Mississippi a 9 de Junho de 1902. No seio escolar adquiriu o cognome “Skip”. Aos 8 anos de idade, depois de ouvir Henry Stuckey e Rich Griffith, dois guitarristas locais, convenceu a sua progenitora a comprar-lhe uma guitarra por $2,50. Na cidade de Yazoo, aos 12 anos, interessou-se pela formação musical, iniciando a aprendizagem de piano; porém, abandonaria ao fim de duas aulas por vicissitudes económicas, compreendendo que o valor cobrado por aula - $1,50 – era demasiado para o orçamento familiar. Mais tarde, conheceu o pianista Will Crabtree, que começou a ser encarado como um talismã, pois o interesse do adolescente, foi determinante para a orientação concedida no ensino do piano ao longo de dois anos e meio.
No início do ano 1931, o jovem James participou numa audição para o empresário H. C. Speir, que lhe garante um contrato de dois anos para a Paramount Records. A 6 de Fevereiro, antes de mais uma sessão de gravações, topando numa esbelta mulher servindo almoços e transportando aos ombros duas enormes tigelas repletas de cerejas, escreveu «Cherry ball», tema incluso no álbum «Today!», editado três anos antes da sua morte (1969). Nos anos seguintes, a atmosfera tumultuada e a falta de confiança na economia – consequência da queda em flecha das cotações da Bolsa de Nova Iorque, em Outubro de 1929 -, devido aos laços financeiros entre os Estados Unidos e outros países, a crise económica, conhecida por Grande Depressão, passam ao plano mundial, alastrando-se rapidamente a outros pontos do globo, inclusivamente ao Velho Continente, onde o retomar da actividade é débil, particularmente na Alemanha. Confrontado com este cenário, interrompe a carreira, tornando-se director de coral na igreja frequentada pela família. Aí, descobre o dom de pastorear uma congregação Metodista e outra Baptista.
Para Skip, o ano charneira do seu percurso artístico é 1964, quando é reconhecido num hospital pelos jovens guitarristas Henry Vestine e Bill Barth. Entusiasmados, incentivam o guitarrista sénior de 62 anos a regressar ao activo. Sem suporem, a verdade é que o músico regressa, actuando em Julho, no Festival Newport. Assim, no ano 1966 é editado o LP «Today!». Com uma dúzia de canções em que nenhuma é parecida, imersas na intimidade e despidas de adornos instrumentais, o bluesman faz uso da palavra para reflexões profundas, traçando retratos de experiências laborais («Cypress Groove» baseia-se nas sensações sentidas no lugar onde costumava cortar madeira) e emoções por vezes alegres («I´m so glad», tema que os Cream imprimiram nova roupagem para fazer parte do primeiro álbum, «Fresh cream») e outras vezes tristes face às viagens pelo álcool («Drunken spree») ou aos dramas sentidos na Depressão, expondo a situação dos mais pobres em Dallas, que somente alimentavam-se de sopa («Hard time killing foor blues»).
Mas, porque raio desejo ouvir este disco na praia? Parvalhão! Tal como o telemóvel não me acompanha à beira-mar, o mesmo se passa com o gira-discos. Aqui, contento-me com a música armazenada num MPtretas (vulgo MP3)…
Blá-blá-blá com a antiga grafia: Ghost4u